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Mahara Zamban

Estados Unidos e União Europeia: Quem depende de quem?

Atualizado: 22 de fev. de 2022

Os Estados unidos e a União Europeia são as maiores potencias econômicas e militares do mundo. Mesmo com uma política de defesa muito diferentes eles dominam o mercado global, lideram como membros ativos as decisões de relações políticas internacionais e tudo o que eles fazem ou dizem importa muito para todo o mundo. Tanto os EUA quanto a maioria dos países da EU são Estados-membros da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) e com certa frequência discordam um dos outros em um vasto leque de problemas, tal como possuem visões diferentes em diversas agendas, como a política, a econômica e a social.

A partir do fim da segunda guerra a OTAN teve uma grande importância para a manutenção da paz e estabilidade na Europa, criando um terreno de inovações e progresso aos países europeus uma vez que não havia uma preocupação tão significativa de invasões entre países que historicamente viveram se digladiando por conquista de território e por divergências ideológicas.

Os Estados democráticos liberais se motivam a buscar paz e lucro. O Estado de troca está substituindo o defasado estado político-militar. Também se acredita que hoje, o poder desses mercados e de Wall Street supera o poder do próprio Estado em relação a decisões entre países, uma vez que diversas empresas dentro dos Estados Unidos possuem investimentos gigantes em países onde seus negócios equivalem a boa parte do PIB. O Colapso da bolsa americana em 2008 foi uma demonstração dramática que uma crise na América é uma crise na Europa e como esses Estados são extremamente interdependentes em sua economia.

A parceria entre União Europeia e EUA é imensa. Os Estados Unidos são os maiores compradores da União europeia (cerca de 22%) e investem 3 vezes mais na Europa que na Ásia. Cerca de 38% do comércio do mundo é feito pela União Europeia (externa e internamente) que também lidera com 17% as exportações externas — contra 11.9% dos EUA. Somente a Alemanha exporta o mesmo volume que os Estados Unidos para a China e Índia. Os negócios entre o EUA e a UE vem crescendo de maneira consistente e os serviços são geralmente de alto valor agregado o que mostra que os empregos em ambos os lados são de empregos bem pagos diferente do que vemos desses países em regiões mais periféricas. Quando se trata de relações e assuntos de política internacional a UE opera em uma base intergovernamental, ou seja, as decisões essenciais devem ser alcançadas por um consenso unanime dos 27 países membros e por isso, devido a sua estrutura legal e institucional integrada, em diversas ocasiões se vê difusa ou separada quanto as suas decisões o que entrega uma grande vantagem de posicionamento aos Estados Unidos.

A União Europeia quer ser o novo projeto para assegurar paz e integração na Europa não mais dependendo dos Estados Unidos ou OTAN. Nos últimos anos, grandes esforços vêm sendo feitos liderados por França e Alemanha para que seja formado um exército verdadeiramente europeu. Em contrapartida a Inglaterra já demonstrou certa preocupação afirmando que há um risco de que seja criado uma estrutura paralela a OTAN.



OTAN como ferramenta de controle da Europa


A história das políticas externas americanas desde a segunda guerra é repleta de exemplos de como os Estados Unidos usaram de sua capacidade econômica superior para promover seus interesses políticos e de segurança. Segundo os neorrealistas, as instituições internacionais são moldadas e limitadas pelos Estados que as criam e financiam, portanto, não possuem muita independência de atuação.

Todo o objetivo de proteção criada pela Aliança do Atlântico Norte foi para uma proteção pós instabilidade da segunda guerra e também as novas ameaças da guerra fria. Alianças não possuem outro significado senão o da ameaça ao adversário, dos quais eles são a resposta — Após a guerra fria, a OTAN deveria ter desaparecido, afinal, não há mais necessidade de um tratado de garantia, afinal, garantia contra quem? O que vimos foi o contrário, a OTAN não só sobreviveu como adicionou novos membros e prometeu se expandir ainda mais, com o argumento de um “tratado de garantias” diferente de um tratado de aliança militar.

A habilidade dos Estados Unidos de estender a vida de uma instituição sem utilidade ilustra bem como essas instituições internacionais são criadas e mantidas por Estados fortes apenas para servir seus interesses. A OTAN não possui nenhum mais uso real, sua função tem como objetivo manter e controlar as políticas externas militares dos estados europeus. Como disse o deputado John Korblum para o subsecretário de Relações Externas Europeu “A OTAN providencia um veículo de aplicação do poder e uma visão americana na ordem de segurança da Europa”. Essa expansão da OTAN também significa que os novos países-membros vão precisar da infraestrutura e do armamento americano. Os Estados Unidos, como país sabidamente capitalista e de forte lobby bélico, recebe de prontidão e apoia fortemente essa expansão.



A crise na Europa: Rússia, Brexit e a nova liderança Franco-Alemã


Nas fronteiras ao leste temos a Rússia, que continua, mesmo após 30 anos do fim da guerra fria a maior ameaça aos Estados Europeus. Os conflitos como a guerra da Geórgia e o recente anexo da Crimeia mostra que a Europa não está no mesmo pé que um dia esteve em relações de paz e cooperação entre vizinhos. A mídia americana também ataca constantemente as relações entre a Rússia e o mundo ocidental e não à toa, a concentração dos poucos países que investem os desejados 2% do PIB para segurança acordado pela OTAN são justamente os países mais próximos a Rússia e que possuem o maior histórico de conflitos em seus territórios.

Porcentagem do PIB voltado para defesa nos países membros da OTAN na Europa


Do lado oeste, vemos que os britânicos têm uma memória coletiva de grandeza. Essa memória é o que convence muita gente se que se algo precisa ser feito no mundo a Inglaterra precisa estar no meio. O mundo moderno criou uma sensação de egoísmo e individualismo que se reflete justamente em ações nacionalistas e excludentes dos Estados, sentimentos ampliados em épocas de crise. A vitória para a saída da Inglaterra da União Europeia pegou a todos de surpresa e encontra até hoje problemas para fechar um acordo para conseguir sair efetivamente sem maiores perdas. Com essa saída, 80% dos gastos em segurança da OTAN dentro da União Europeia viria de países não-membros. Para a Inglaterra, a OTAN se tornaria especialmente importante depois dessa saída, que reduzirá a habilidade de sustentar sua influência na política de segurança da União Europeia.

A aliança entre Estados Unidos e Inglaterra irá sem dúvidas ser muito maior do que é hoje, como prometido por Trump em diversas oportunidades podendo inclusive encabeçar uma forte parceria como já foram nas décadas passadas. Cabe a Inglaterra decidir qual será sua posição na OTAN: A de um líder, um apaziguador ou focar somente no seu próprio crescimento e recuperação. Também é necessário imaginar qual será a postura dos Estados Unidos perante uma a Inglaterra que deseja ocupar um espaço de maior influência na OTAN.

A interdependência antes era agradável aos pequenos e fracos Estados que se ajudavam diante a ameaça de um Estado maior. A partir da segunda guerra, a balança volta para a mãos dos maiores, que agora possuem um grande alcance regional e global. Com esse novo fluxo de capital internacional, o Mercado (autoridade não-estatal) leva esse poder e influência para suas ações no mercado financeiro do mundo todo.

Há diversos casos de interdependência nesse cenário, como a própria teoria diz, é uma interdependência complexa, e combina uma série de fatores de diversos agentes. Estados Unidos, União Europeia e Rússia são os principais agentes de Estado mas temos também os agentes internacionais sejam organizações, alianças ou tratados.

“Os tempos onde podíamos confiar incondicionalmente nos outros passou” — disse Angela Merkel ao parlamento Europeu no início do ano. Emmanuel Macron e Merkel vem feito um trabalho muito forte de liderança na edificação e uma nova União Europeia, principalmente após a aprovação do Brexit. Já criaram um acordo entre França-Alemanha de investimentos de segurança e estão liderando, junto com a Espanha uma pesquisa de novas tecnológicas para jatos militares. Também possuem o maior índice de aprovação entre os grandes líderes mundiais, pesquisa que também mostra que a Europa confia mais em Putin que em Trump.



Afinal, quem depende de quem?


Assim como a União Soviética criava a dependência de seus Estados aliados na guerra fria ao monopolizar as indústrias e ficar responsável por toda a distribuição de recursos, agora é a União Europeia que se sente dependente dos Estados Unidos para se proteger e manter o estado de paz na região. A pergunta é, são os Estados Unidos que dependem dessas bases estratégicas e poder da OTAN para continuar se estabelecendo como “Hegemon” no mundo ou a dependência é da Europa, que sem a OTAN já teria entrado em guerra como sempre fizeram ao longo de séculos?

Os Estados Unidos possuem uma certa liberdade de intervenção no resto do mundo e grande parte do seu mercado é voltado para a indústria bélica, seja nacional ou internacional. Sabemos que os EUA fomentam e financiam guerras para que possam vender e comprar materiais militares para aquecer sua economia interna e especular ações financeiras. Outro interesse americano é justamente o de frear o crescimento expansionista da Rússia pelo leste ao chamar atenção para novas bases cada vez mais próximas de seu território, como foi com o caso da Polônia, que ao entrar na Aliança, aproximou a Organização em 640 Km do território russo e fez com que a Rússia novamente se preocupasse com o que está acontecendo na Europa.

Na União Europeia todo o estado-membro tem um voto independente de tamanho de território ou força militar o que faz pelo menos em questões políticas, haja uma interdependência simétrica. Porém muito se viu que pós crise de 2008 muitos países contestaram essa ideia de ajuda de um bloco uma vez que muito dinheiro foi usado para ajudar certos países membros durante a crise, como Grécia e Espanha criando um sentimento de insatisfação da população europeia. A UE, com a saída da Inglaterra pode ter finamente a chance de criar uma política diferente e independente dentro da Europa e com a criação de um exército próprio também demonstra uma vontade de independência perante os Estados Unidos e OTAN.

Alguns países europeus podem pensar em uma independência completa, inclusive da própria União Europeia. A teoria realista não é muito amigável nesse cenário. Com o fim da estabilidade da UE a chance dos países se voltarem ao estágio primal de sobrevivência de estados é altíssima e teríamos novamente uma Europa do séc XX, instável, desconfiada e em guerra.



Cabe a essa nova liderança Franco-Alemã conseguir ter estratégia e visão para conseguir seguir com a construção dessa nova Europa, uma Europa com exército próprio, livre de influências americanas e mais do unida do que nunca. Isso é a interdependência complexa, qualquer um desses cenários altera a estrutura mundial e diversas outras hipóteses aparecem: Agora que a Europa é soberana, haverá uma nova corrida de poder? Uma aliança entre Inglaterra-EUA será possível para tentar barrar seu crescimento? A Rússia só ficará assistindo seus vizinhos se militarizando fortemente? Para cada resposta, um novo cenário se cria e uma infinidade de novas possibilidades aparecem.

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